Manuel Alegre diz que o seu adversário é a "crise do país"
[Maria José Oliveira/Público, 05.11.2005]
Na cerimónia de formalização da sua candidatura a Presidente da República, Alegre apresentou o seu "contrato presidencial" e recusou participar em debates de "intriga política". O candidato quer discutir os "problemas reais do país" e escusou-se a falar sobre o controverso processo que levou o PS a apoiar Mário Soares. Fez ainda uma crítica velada a Cavaco Silva, afirmando que "mesmo os candidatos que dizem que não têm carga ideológica não estão a dizer a verdade".
Na apresentação do manifesto eleitoral, designado "contrato presidencial", da candidatura de Manuel Alegre a Presidente da República, o candidato clarificou que não tem adversários na corrida para Belém. Ressalvando que "a esquerda sempre foi plural", numa referência às restantes três candidaturas de esquerda, Alegre frisou: "O meu adversário é e sempre foi a crise do país." Foi esta a última afirmação do socialista na breve conferência de imprensa que aconteceu após a cerimónia realizada no Hotel Altis, em Lisboa.
Antes, porém, já Manuel Alegre tinha deixado entrever que não quer, por ora, lançar críticas às outras candidaturas presidenciais. Não nomeou qualquer candidato, embora não tenha resistido a acusar implicitamente Cavaco Silva de querer promover um discurso expurgado de ideologia: "Todos os discursos políticos têm uma carga ideológica e mesmo os candidatos que dizem que não têm carga ideológica não estão a dizer a verdade." Salientando que não tem "receio de nenhum candidato", Alegre destacou que não tem dúvidas sobre a "convicção democrática" dos candidatos, mas acredita que existem interpretações divergentes quanto aos contornos do sistema político: "Respeito por igual todos os candidatos, mas evidentemente que têm concepções diferentes. Não digo da democracia. Creio que todos são democráticos. Mas há leituras diferentes do que pode ser o sistema político.
" Questionado sobre a possibilidade de alterar os moldes da sua candidatura se passar à segunda volta das eleições e recolher o apoio do PS, Alegre afirmou que "todas as candidaturas são apartidárias" e garantiu que não procederá a mudanças: "Se eu passar, como espero, à segunda volta, mantenho as características da minha candidatura", assegurou. Sobre o controverso processo da escolha do candidato presidencial pelos socialistas (que possui diversas versões explicativas), Alegre preferiu não comentar - "o que é passado é passado" -, escudando-se na circunstância de a sua candidatura servir para "discutir os problemas do país". "Estou aqui para discutir os problemas do país", começou por dizer, explicando de seguida o "impulso" que sentiu quando decidiu avançar . "Só senti um impulso para ser candidato quando vi uns sinais. Só senti um impulso e uma alegria quando vi que tinha muitos cidadãos do país comigo", justificou, arrancando um forte aplauso às centenas de apoiantes que compareceram na cerimónia.
"Nunca fui homem de desistir"
Se houvesse dúvidas quanto à hipótese de Alegre vir a desistir da sua candidatura a Presidente da República, elas foram desfeitas ontem quando o candidato respondeu, depois de rir, que "nunca" foi "homem de desistir".
"Nunca fui homem de desistir, fui sempre um homem de resistir", frisou. E apontou: "Mas agora estou aqui sobretudo para persistir, para contribuir para um debate que seja clarificador". Neste âmbito, disse ainda que pretende que o debate em torno das campanhas para as eleições presidenciais atente nos "problemas reais" de Portugal. "Quero um debate não sobre a intriga política, mas sobre os problemas reais do país", sustentou. Ainda durante a conferência de imprensa, Alegre refutou o comentário que o líder da Sonae, Belmiro de Azevedo, fez sobre a sua candidatura presidencial, em entrevista ao PÚBLICO e Rádio Renascença.. Interrogado sobre a posição do empresário, que afirmou que Alegre "praticamente não tem experiência de cargos executivos, pelo que nem sequer imaginava que nesta fase da vida quisesse ser Presidente", o candidato replicou: "Ele está mal informado sobre a minha vida", aludindo depois aos seus cargos de liderança na Frente Patriótica de Libertação Nacional, quando estava exilado na Argélia.
E, numa inesperada declaração, acrescentou que entende que "o poder económico e o poder mediático têm de subordinar-se ao poder político". A cerimónia, cujo desfecho aconteceu com a entoação do hino nacional, abriu com uma curta intervenção do mandatário para a juventude, Carlos Nobre Neves (Pacman). Que salientou a "independência" da candidatura de Alegre como "algo de novo" e lembrou que "muitos jovens" como ele "não se revêem nos partidos e nos políticos, mas querem participar". "Esta é uma candidatura de alternativa e de esperança", rematou.
Antes de Alegre, coube ao professor universitário José Faria e Costa discursar em nome da comissão de honra, cujos nomes (488) foram ontem revelados. O presidente do conselho directivo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sublinhou, em primeiro lugar, que aquilo que "move" a candidatura de Alegre "é a prossecução do valor da participação consciente, crítica e colectiva", para depois dizer que tem a "certeza" de que "com Manuel Alegre na Presidência da República haverá um garante de estabilidade". Na sessão de ontem foi também conhecido o lema da candidatura de Alegre - "Portugal de todos". E no painel que se encontrava atrás do candidato podia ler-se "Portugal mais livre, mais justo, mais fraterno".
Manuel Alegre